Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 2
Sinivaldo S. Tavares 28 e de eficácia. Manifestando honestidade face ao real, ele quer discernir e acolher as interpelações postas pela atual crise ecológica. No capítulo III de Laudato Si’ , “A raiz humana da crise ecológica”, o papa reconhece os avanços produzidos pela técnica na melhoria das condi- ções de vida, no aumento do bem-estar e da expectativa de vida. Contudo, desmascara o interesse último da tecnociência que é controle e poder sobre a vida em todas as suas dimensões. Chega a nomear de tecnocrático o paradig- ma hegemônico da civilização contemporânea. Nesse contexto, situa a crise do antropocentrismo moderno e do relativismo prático. É preciso reconhecer que os produtos da técnica não são neutros, por- que criam uma trama que acaba condicionando os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de determi- nados grupos de poder. Certas opções, que parecem puramente ins- trumentais, na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pretende desenvolver (LS, 107). Não se consegue pensar que seja possível sustentar outro paradigma cultural e servir-se da técnica como mero instrumento, porque hoje o paradigma tecnocrático tornou-se tão dominante que é muito difícil prescindir dos seus recursos, e mais difícil ainda é utilizar os seus re- cursos sem se ser dominados pela sua lógica. [...] Com efeito, a técnica tem a tendência de fazer com que nada fique fora da sua lógica férrea, e o ‘homem que é o seu protagonista sabe que, em última análise, não se trata de utilidade nem de bem-estar, mas de domínio; domínio no sentido extremo da palavra’. Por isso, ‘procura controlar os elementos da natureza e, conjuntamente, os da existência humana’. Reduzem-se assim a capacidade de decisão, a liberdade mais genuína e o espaço para a criatividade alternativa dos indivíduos (LS, 108). Não seria “neutra” a tecnociência? Os aparatos tecnológicos não foram, afinal, inventados e construídos pelos próprios seres humanos? Todavia, as má- quinas “inteligentes” carregam em seu próprio bojo uma objetivação da in- teligência humana superior à competência e habilidade dos seres humanos, tomados singularmente. Sirva-nos de exemplo a memória de um computa- dor, sem dúvida, muito superior à memória humana que, no entanto, incide sobre o nosso pensamento, mudando-o significativamente: engessando-o no esquema binário (o ou 1), fazendo com que suas repostas sejam: “sim” ou “não”, ou no máximo “não sei”. Trata-se de redução, pois o que justamente caracterizou a evolução do pensamento humano foi sua passagem do esque- ma binário à forma complexa, mediante a problematização de questões. De
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