Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 2

Adelson Araújo dos Santos 152 e não como mero produto destinado ao consumismo desenfreado ou à con- centração dos recursos naturais nas mãos de uns poucos privilegiados. Na sa- bedoria milenar dos povos indígenas, a concepção do “bem viver” promove a dimensão comunitária da existência, em vista a alcançar uma qualidade de vida digna e um saudável crescimento para todos, vivendo em paz e em har- monia com a natureza, preservando a raça humana e toda a biodiversidade (MURAD, 2016, 36 s.). Com efeito, a espiritualidade indígena é fortemente marcada por um misticismo cosmológico (PREZIA, 2003), no qual o cosmos, a natureza, a comunidade e o senso de interdependência com todos os seres são caracte- rísticas fundamentais dessas tradições. Neste contexto, Deus assume muitas formas e muitos nomes. Ele é transcendente, acima e além deste mundo, mas ele se esconde na imanência de todas as coisas e de todos os seres na na- tureza. Assim, a experiência mística não leva a uma desconexão e a um desa- pego da criação; pelo contrário, parece haver uma compreensão fundamen- tal do profundo apego da humanidade à criação. Como criaturas, os seres humanos não vivem apenas no mundo, mas acima de tudo com o mundo. Isso nos remete, mais uma vez, à nossa própria concepção cristã de Deus, que jamais é solidão, mas é sempre comunhão trinitária, vivendo sempre de forma entrelaçada e em contínuo movimento dinâmico e simultâneo. Desse diálogo entre as cosmologias indígenas e cristãs vemos que o universo é feito das redes de relações, onde tudo está interligado e interrelacionado: somos um nó de relações, como também Deus é relação. Tudo isso nos permite reconhecer nas cosmovisões dos povos indí- genas um núcleo teológico-espiritual, o qual poderíamos chamar de “teo- cosmologia” ou “cosmoteologia”, devido ao seu ponto de partida (CNBB, 2001, p. 36). Para os povos da floresta amazônica, de fato, a natureza fala e eles entendem a sua voz e a sua mensagem, razão pela qual buscam sempre ouvi-la e estar em harmonia com ela. Para eles, Deus não é uma realidade a ser conceitualizada e explicada, mas tem a ver com a sabedoria religiosa que se transforma em coexistência com o cosmos e a natureza (DAMIOLI; SAFFIRIO, 1995, p. 208-215). Não há uma busca por uma interpretação racional da experiência religiosa, mas esta se dá no cotidiano da vida e se expressa de um modo simbólico-mítico (LOPES DA SILVA, 1994). Exis- tem, de fato, inúmeras imagens e uma linguagem muito rica para descrever a experiência do transcendente, tanto para contar a origem quanto para ilustrar a condição e os eventos humanos. No vocabulário indígena existem diferentes termos para expressar o mistério e designar o sagrado e o divino.

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