Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 1

José Roque Junges 88 ção econômica. A visão ecossistêmica de saúde depende fundamentalmente das condições de vida que a natureza oferece, porque ela é a base da saúde como qualidade de vida. A segunda tensão dialética, uma consequência da primeira, se expressa entre a lógica da recepção, típica da natureza como fundo de serviços, e a lógica da apropriação, característica da natureza como banco de recursos naturais, apropriado para circulação econômica. As res- postas às necessidades e demandas de saúde da população, que são de cunho coletivo, necessitam de um sistema público, movido pela lógica da recepção como demonstraram as iniciativas para responder à pandemia. Por último, como consequência, aparece a tensão dialética entre valor de uso e valor de troca. A organização da produção de bens, pautada pela autonomia, é movida pelo valor de uso, pois engloba a necessária atividade do sujeito para aceder a este bem. Ao contrário, a organização da produção heterônoma de bens, transformados em mercadoria para valor de troca, dispensa a atividade do sujeito, já que o bem é simplesmente consumido, sem atividade de uso. A justiça restaurativa, tanto em sua dimensão ambiental quanto sa- nitária, vai sempre priorizar o primeiro polo de cada uma das tensões da ecologia integral: a compreensão ecossistêmica da natureza como fundo das condições para a reprodução da vida, como consequência, a necessá- ria lógica da recepção, típica da natureza como fundo, para organizar o coletivo social da saúde, movido pela universalidade, pela equidade e pela integralidade e, por fim, em correspondência, a priorização no cuidado da saúde do valor de uso, promotor da atividade do sujeito, em relação ao valor de troca que transforma a saúde em mercadora de consumo sem valor de uso. Essa perspectiva restaurativa da justiça ambiental e sanitá- ria não nega o outro polo: a natureza é também um estoque de recursos naturais que pode ser apropriado para transformá-los pela economia em valor de troca para circulação comercial no mercado. Em certos setores da economia pode valer esse segundo polo do tensionamento, mas quando se trata da saúde, por seu significado e papel social, precisa valer o pri- meiro polo do tensionamento da ecologia integral. O problema aparece, a crise atual é uma demonstração disso, que esse segundo polo da tensão dialética da ecologia tem que se tornar prioritário, porque, do contrário, a dimensão integral fica esvaziada. O paradigma da ecologia integral só é possível quando os primeiros polos dos três tensionamentos dialéticos forem prioritários, por estarem em harmonia com a natureza e, por isso, devem servir de princípios organizacionais de estruturação da sociedade que privilegia o coletivo.

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