Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 1
A saúde na perspectiva da Ecologia Integral em tempos da pandemia da Covid-19 87 pectiva da recepção que valoriza o comum e o público. Essas duas lógicas fundamentam duas compreensões de justiça: uma movida pela lógica da dis- tribuição (justiça distributiva), centrada nos critérios e nos bens a distribuir que sempre partem da sua escassez, mas não se pergunta por que ela acon- tece. A outra não está centrada na distribuição de bens apropriáveis, mas na restauração das condições de dignidade e qualidade de vida, recebidas no coletivo não apropriáveis individualmente, que obrigam a sociedade a pensar políticas de planejamento que evitem a escassez. Essa justiça poderia ser chamada de restaurativa no sentido social, assumindo um sentido mais amplo do que aquele usado pela justiça penal. Esta distinção entre a lógica da recepção (justiça restaurativa) e a ló- gica da apropriação (justiça distributiva) é um desdobramento e aprofun- damento dos pressupostos da ecologia integral. Parte da visão da natureza não reduzida a um banco de recursos para a apropriação, mas um fundo interdependente de serviços para a criação de condições ambientais para a reprodução da vida. Os dons oferecidos por esse serviço, como produção de oxigênio, equilíbrio do clima, temperatura ambiente, regime de chuvas, eliminação de diferentes resíduos não são bens apropriáveis, mas seu acesso se rege pela lógica da recepção, pela qual se recebe algo. Essa lógica típica dos ecossistemas naturais seria aplicável aos sistemas sociais, quando sua estruturação for organizada na perspectiva do coletivo público e não na base da apropriação privada centrada no indivíduo. O mercado tem como uma de suas premissas centrais a escassez para possibilitar a mais valia. A escassez exige a definição de critérios de acesso a esse bem que é escasso. A justiça distributiva responde a essa necessidade. Se, ao contrário, o sistema social for regido pela lógica da recepção que não está baseada na escassez, mas no planejamento que foca o coletivo, não se trata de critérios para distribuir bens escassos, mas de restaurar as condições de acesso universal para todos. Esse é o objetivo da justiça restaurativa. Considerações finais A aplicação do paradigma da ecologia integral à saúde em um contexto de pandemia demonstrou que ele é atravessado por três tensões dialéticas, expressões de sua dinamicidade e complexidade. A primeira tensão é entre a compreensão da natureza como fundo comum de serviços para a reprodu- ção da vida e como banco de recursos naturais apropriáveis para transforma-
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