Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 1

José Roque Junges 84 por puros meios técnicos, não permitindo uma superação autônoma atra- vés dos recursos simbólicos da trans-significação. Esse fenômeno é chamado por Illich de iatrogênese social, isto é, o agravamento da doença ocasionada pela estruturação social da resposta à doença proposta pelo aparato médico (ILLICH, 1981). A iatrogênese social depende do contexto socioeconômico que explica hoje o modo de produzir: multiplicação do setor de serviços que substituem o sujeito no equacionamento dos seus problemas. O caminho de solução é entregue a um dispositivo de consumo que se compra no mercado, não sendo mais um engajamento do sujeito na resposta. Curar não é mais uma atividade, mas uma mercadoria. A medicina produz tratamentos mercadoria de venda (ILLICH, 1981). Na história da humanidade, a produção de valores de uso (valores sim- bólicos e de relação que são atividades) teve muito maior importância que os valores de troca (mercadoria que se compra no mercado). As atividades ligadas à cura e à saúde eram essencialmente valores de uso, que dependiam do engajamento do sujeito, porque não eram mercadorias. As sociedades pré-capitalistas sabiam conjugar muito bem produção autônoma de ativi- dades e produção heterônoma de mercadorias, enquanto hoje elas entram em choque. A produtividade autônoma de atividades é sempre mais parali- sada pela produção heterônoma de bens de consumo, como é caso do setor da saúde, cujas terapêuticas dependem sempre menos de um engajamento pessoal de valor de uso, tornando-se gradativamente uma mercadoria que se compra, agenciada simbolicamente como valor de troca. Nesse sentido existe uma crescente expropriação da saúde pelo uso sempre mais exclu- sivo de tratamentos heterônomos, oferecidos pelo paradigma biomédico. Os efeitos colaterais negativos desse fenômeno aparecem principalmente na dimensão mental do processo saúde-doença, porque eles enfraquecem e de- sestimulam a atividade capacidade de reação, essencial para a dinâmica da cura (ILLICH, 1981). Neste tempo de pandemia, a atividade capacidade de reação autônoma, fazendo uso de recursos simbólicos, é fundamental para o equilíbrio e a resiliência mental diante das ameaças. Mas sabemos que o imaginário mental coletivo criado pelo paradigma biomédico produz uma iatrogênese social que dificulta essa reação, porque se espera toda solução do aparato médico. Um terceiro elemento do paradigma da ecologia integral, além do sis- tema de interdependência e a importância da diversidade cultural, é a pre- servação do comum. Em situações de tragédia, como é caso da pandemia, o

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