Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 1

Afonso Murad 54 (7) Uma leitura ecoteológica (e também ecosófica). O capítulo II da Laudato Si ’ faz uma leitura cristã da ecologia e da sabedoria da terra. Francisco afirma que Ciência e religião fornecem diferentes abordagens da realidade e um diálogo intenso é frutuoso para ambas (LS, 62). Aliás, as soluções para a complexa crise ecológica virão da adição de várias maneiras de interpretar e transformar a realidade. Por essa razão, recorre-se também às riquezas culturais dos povos, à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade. Respeitando as diferenças religiosas, as convicções da fé cristã oferecem motivações importan- tes para cuidar da natureza e dos seres humanos mais frágeis (LS, 63). Neste capítulo, Francisco assume as descobertas da ecoteologia, expondo o que ele denomina “sabedoria das narrações bíblicas” (LS, 65-75) e “o olhar de Jesus (LS, 96-100). Há uma reflexão sobre o mistério do universo, que compatibi- liza a visão cristã com a teoria de evolução do cosmos (LS, 76-83). O núcleo ecocêntrico do que se poderia chamar uma “ecosofia cristã” se encontra sobre- tudo na “mensagem de cada criatura na harmonia da criação” (LS, 84-88), visando uma “comunhão universal” (LS, 89-92). Como se trata de um texto oficial do Ensino Social da Igreja Católica, alude-se ao “destino comum dos bens” (LS, 93-95). Há vários pontos de convergência com a ecosofia da deep ecology , especialmente a que reconhece a dignidade e o valor de cada ser (ou criatura, na linguagem religiosa). As narrações da criação no livro do Gênesis vislumbram que a exis- tência humana se baseia em três relações fundamentais e interligadas: com Deus, com o próximo e com a Terra. A Laudato Si’ critica a interpretação equivocada sobre o domínio absoluto dos humanos sobre todas as criatu- ras. Uma hermenêutica correta explicita que Deus nos convida a cultivar e guardar o jardim da criação (Gênesis 2,15). Isso implica “uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza” (LS, 67). Além disso, “os outros seres vivos têm valor próprio diante de Deus” (LS, 69). A criação ainda não acabou, pois o universo é composto por sistemas abertos que se comunicam, com inúmeras formas de comunicação e participação (LS, 79). Cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua. A Laudato Si’ , diferente da deep ecology , desenvolve uma mística ecológica de encanta- mento e gratidão: “Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus”. E mais: “no coração deste mundo, permanece pre- sente o Senhor da vida que tanto nos ama (..). (Ele) se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado! (LS, 245).

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