Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 1
Afonso Murad 52 com quem partilhamos a existência e uma mãe bondosa que nos acolhe nos seus braços (LS, 1). Nós mesmos somos terra, não seus proprietários e domi- nadores, que a saqueiam (LS, 2). A Laudato Si’ critica o “antropocentrismo despótico” (LS, 68) e “desequilibrado” (LS, 69) da modernidade, o “excesso antropocêntrico” que considera os outros seres como coisas a serviço dos humanos, debilitando assim o valor intrínseco do mundo (LS, 115), da biosfera. Tal desequilíbrio, que sobrevaloriza o humano e minimiza o valor da criação e da cada criatura, conduz ao relativismo ético, à falta de respon- sabilidade para com os outros e o planeta. A ecologia integral da Laudato Si’ não é estritamente biocêntrica ou ecocêntrica, como sustenta a ecologia profunda (LS, 118). Questiona o axioma da “igualdade biosférica”. Acolhe os conceitos da alfabetização eco- lógica de Capra, mas não se alinha com o postulado que a espécie humana é apenas um filamento da teia da vida. Diríamos que a Laudato Si’ se con- figura dentro de um antropocentrismo aberto e inclusivo, pois reconhece a dignidade de cada uma e do conjunto das criaturas. Sem dúvida, ressalta a singularidade do humano, mas assume uma concepção multicêntrica. Usan- do o conceito de Panikkar, ela é cosmoteândrica, pois coliga a biosfera, Deus e o humano, em relações contínuas retroalimentadas. (4) Conversão ecológica, simultaneamente pessoal e estrutural . A necessária mudança de atitudes e práticas radica-se numa postura de vida, que Francisco denomina de “conversão ecológica” (LS, 216-221). Essa se traduz em gestos quotidianos, de cuidado mútuo, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração e do mundo do consumo exacerbado que maltrata a vida em todas as suas formas (LS, 230). Mas não basta que cada um seja melhor. “Aos problemas sociais responde-se, não com a mera soma de bens individuais, mas com redes comunitárias”, que reúnam forças e contribuições diversas (LS, 219). O amor é também civil e político, e se manifesta em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. Impele-nos a assumir “grandes estratégias que detenham eficazmente a de- gradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade” (LS, 230). Ora, essa simultaneidade da mudança individual, coletiva e institucional está na base tanto da deep ecology quanto da ecologia integral . Abrange uma maneira interdependente de compreender as pessoas e as estruturas, manifestada na ecosofia de Naess e de Panikkar. (5) Leitura de cenário lúcida e consequente . O capítulo I da Lau- dato Si ’ apresenta uma breve resenha de vários aspectos da crise ecológica: poluição e sua relação com a cultura do descarte (LS, 20-22); mudanças
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