Ecologia Integral: abordagens (im)pertinentes - volume 1

Sinivaldo Silva Tavares 26 2. Laudato Si’ : ecologia integral como “novo” paradigma De início, salientamos o insistente apelo do papa Francisco na Laudato Si’ de que é preciso ouvir o clamor da Terra e o clamor dos pobres e articu- lá-los reciprocamente, razão pela qual julgamos que a proposta do cuidado responsável para com o planeta, nossa casa comum , mediante a assunção de um novo paradigma civilizacional, seja uma das principais notas distintivas da Laudato Si’ . Empregamos o termo paradigma, aqui, no sentido de um sistema disciplinado mediante o qual organizamos nossa relação conosco mesmos, com as demais pessoas e com o conjunto da realidade na qual esta- mos inseridos. Essa tese por nós defendida se desdobra em três proposições que estabelecem entre si uma relação de reciprocidade inclusiva, caracteri- zada pela simultaneidade entre mútua recepção e recíproca compenetração. São elas: a índole mistérica e complexa do real; uma nova epistemologia: reconhecer, compreender e curar; a consciência de que desafios complexos demandam práticas e saberes integrais (TAVARES, 2016, p. 59-80). 2.1. A índole mistérica e complexa do real Opondo-se diametralmente à fragmentação epistemológica e existen- cial, hegemônica no ocidente, o papa Francisco propõe um paradigma alter- nativo que brota da experiência/consciência da índole mistérica e complexa da inteira realidade criada. Gostaríamos de salientar o horizonte no interior do qual se situa o discurso do papa na Laudato Si’ . Esse horizonte é res- ponsável pelo tom do discurso nela proposto. O horizonte é marcado pela gratuidade, expressa no enternecimento para com as criaturas do universo, e seu tom é de esperança. Remetendo-nos à ternura e ao cuidado de Francisco de Assis para com as criaturas, escreve o papa: “O mundo é algo mais do que um problema a resolver; é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor” (LS, 12). E essa atitude contemplativa do papa não compro- mete minimamente a crítica contundente às raízes últimas do atual estado de degradação no qual se encontra o planeta, nossa casa comum . Ele articula dialeticamente textos extremamente críticos com relação à presente situação com textos de bela poesia, reveladores de uma alma profundamente con- templativa. Seu discurso não apenas nos desperta para a beleza da criação ou para a inalienável dignidade de cada criatura, mas também interpela-nos, ao desvelar a real situação de cumplicidade entre tecnociência, economia e política, desmascarando os reais interesses do paradigma tecnocrático.

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