Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

91 O uso moral e paternalista do Direito Penal: desafios do punitivismo jurídico... própria loucura. Esse segundo tipo de paternalismo é legítimo e aceitável, ao contrário do primeiro que tira dos cidadãos adultos e capazes o seu direito de escolha. O paternalismo suspeito ao qual Feinberg está a refutar propõe criminalizar a conduta de alguém que comete dano contra si mesmo ou a conduta de alguém que auxilia outra pessoa a provocar dano contra si mesma. Observa-se, então, que, no primeiro caso, estamos diante do paternalismo puro e, no segundo, do paternalismo impuro, conforme distinção proposta por Gerald Dworkin (1972, p. 68), que afirma o seguinte: “O paternalismo, então, sempre envolverá limitações à liberdade de alguns indivíduos em seu próprio interesse, mas também pode se estender a interferências na liberdade de partes cujos interesses não estão em questão” (DWORKIN, 1972, p. 68, tradução nossa). Também podemos distinguir entre paternalismo rígido ou paternalismo brando, conforme Joel Feinberg (1986, p. 12). O paternalismo rígido é o paternalismo contra o qual nos colocamos, conforma explica Feinberg: O paternalismo rígido aceitará como razão para a legislação penal que é necessário proteger os adultos capazes, contra sua vontade, das consequências nefastas até mesmo de suas escolhas e empreendimentos totalmente voluntários. Como acabamos de ver, o princípio justifica a anulação do consentimento livre e informado no caso de duas partes e anula as escolhas individuais totalmente voluntárias no caso de uma única parte. Por impor seus próprios valores e julgamentos às pessoas “para o seu próprio bem”, parece bem denominado pelo rótulo de “paternalismo” (FEINBERG, 1986, p. 12, tradução nossa). Dentre os usos do direito penal e da punição que considero mais inadequados encontra-se, por certo, o paternalismo legal em matéria criminal, um paternalismo sempre disposto a culpabilizar os outros. O equívoco, ao qual estou aqui a apontar, diz respeito ao alargamento na concepção de dano para considerar como dano passível de punição criminal os danos que alguma pessoa possa vir a cometer contra si própria, como, por exemplo, no caso do uso de drogas. Ocorre que não faz sentido usar o direito penal para punir o autor de um crime no qual ele mesmo é a própria vítima. Mesmo quando se diz que o bem jurídico tutelado é, como no caso das drogas, a saúde pública, o que deve ficar claro é que esta não é exatamente uma matéria criminal para ser tratada

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