285 O desenvolvimento tecnocientífico e a questão bioética dos limites das novas tecnologias Goffi, compreender que, em certo sentido, tudo não passa de circunstancias (GOFFI, 2001, p. 87-107). Nesta concepção, os princípios funcionam como regras práticas que ajudam na deliberação organizando os precedentes entre os valores pertinentes. Isto mostra que o casuísmo não se resume a um particularismo moral que rejeitaria completamente a universalidade, 7 pois as situações e os precedentes não são considerados como particulares(tokens) mas como tipos (types), o que assegura a generalidade necessária para possamos comparar casos e situações (MORIZOT; QUIVIGER, 2017, p. 49). Neste ponto de nossa investigação, devemos enfrentar a questão de como se opera, na casuística, a aplicação dos enunciados universais da razão prática às situações fáticas singulares. Primeiramente, veremos em que medida o domínio prático, onde temos como objeto a ação humana voluntária, admite a existência de regras universais e necessárias. Neste sentido, devemos levar em consideração uma questão crucial da epistemologia moral de Tomás de Aquino, segundo a qual nós podemos ter uma dupla consideração sobre a normatividade da ação humana. Primeiramente, nós podemos afirmar que as ações humanas podem ser regradas por normas universais. Ao fazer isto, no entanto, deixamos de considerar as várias perspectivas que a ação humana possui em relação ao contexto concreto e as circunstâncias contingentes com as quais os atos humanos estão envolvidos. Em segundo lugar, se recusamos a existência de normas universais no domínio prático, resta a cada um de nós determinar a regra por si mesmo. Isto significaria que nós não teríamos uma medida objetiva na realização de nossas ações e, deste modo, que não poderíamos postular nem uma regra que fosse única e universal para todas as ações. Para responder a este aparente impasse epistemológico-moral, Tomás de Aquino se serve da noção de ato virtuoso como sendo aquele que segue uma regra, a reta razão, de forma que possamos postular a aplicação desta mesma regra a todos os casos similares. Deste modo, devemos ter em vista que a noção de ação virtuosa exige uma forma adequada de deliberação por parte do agente. A fim de determinar o que é a deliberação prática no interior do ato virtuoso, devemos analisar, primeiramente, a natureza desta deliberação, visando assim estabelecer 7 Para uma interpretação diversa da casuística aristotélica, numa versão do particularismo, ver Wiggins (1987).
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