Sistema do direito, novas tecnologias, globalização e o constitucionalismo contemporâneo: desafios e perspectivas

181 Constitucionalismo e democracia em virtude dos artigos 2 e 17”, tendo o povo, ao contrário, “por meio dos referendos de 13 de outubro de 1946 e de 28 de setembro de 1958, aprovado textos conferindo valor constitucional aos princípios e direitos proclamados em 1789”. Portanto, o controle de constitucionalidade cria uma nova figura, propiciando a separação entre os governados e os governantes, constituindo os direitos daqueles num corpo separado dos direitos destes: a carta jurisprudencial dos direitos e liberdades simboliza o espaço dos governados; a lei, o espaço dos governantes. Esta figura da separação é profundamente diversa da figura da fusão, que ainda prevalece nas mentalidades. Em sua formulação mais elementar, com efeito, o ideal democrático exige a implicação cada vez maior do povo no poder – por meio da extensão do sufrágio universal, por exemplo – e se realiza plenamente pela fusão do povo no corpo político da representação nacional. Se as “democracias populares”, com o partido único, levaram ao extremo esta lógica da fusão, as “democracias burguesas”, com mais ponderação, também aderiram a ela. Carré de Malberg (1984) notadamente, descreveu perfeitamente o “funcionamento” democrático destes regimes parlamentares, os quais têm por base a identificação dos governados com os governantes, a confusão entre o povo e os seus representantes, entre a vontade geral e a vontade parlamentar, fazendo, portanto, do Parlamento o igual do soberano, ou antes, conforme escreveu o Mestre de Estrasburgo, o que termina por erigir efetivamente aquele em soberano. Muito embora se considere democrático, este tipo de funcionamento político é apenas a reprodução, transposta do princípio monárquico, de que o corpo da nação e o corpo do rei formam uma unidade: “os direitos e os interesses da Nação, dos quais se ousa constituírem em um corpo separado do monarca, declara Luís XV num discurso proferido no Parlamento de Paris, em 3 de março de 1766, estão necessariamente unidos com os meus e estão nas minhas mãos; eu não consentiria, continua ele, que na monarquia se introduzisse um corpo imaginário que só poderia perturbar a sua harmonia” (GUIOMAR, 1974, p. 39). Certamente, os revolucionários haviam querido, acreditado e dividido estes dois corpos; até mesmo pensavam que o ato revolucionário residia, precisamente, nesta afirmação arrojada da autonomia do corpo da Nação em relação ao corpo do Rei. Na verdade, os homens de

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