175 Constitucionalismo e democracia do poder do povo encontra o seu fundamento num sistema liberal, onde o princípio de legitimidade é o equilíbrio, num sistema ditatorial, onde o princípio de legitimidade é o partido, num sistema teocrático, onde o princípio de legitimidade é Deus etc. Todavia, num sistema democrático, em que o princípio de legitimidade é o sufrágio universal, onde encontrar o fundamento de uma limitação do poder do povo? Tendo expressado de forma trivial este dilema, sempre será recordado um certo deputado socialista que lançou à oposição esta sentença: “estão juridicamente errados porque são politicamente minoritários”! De resto, a questão não é de hoje; eu poderia citar o “caso” de Pôncio Pilatos. Recorda Kelsen (2004, p. 115) que, tendo sido, Jesus, condenado pelo sinédrio, cabia a Pilatos escolher a pena, mas ele, “pelo fato de não saber o que é a verdade e acostumado, por ser romano, a pensar de forma democrática, decidiu consultar o povo por meio de um plebiscito”. O resultado é mais do que notório. Jesus teria sido crucificado se Pilatos tivesse decidido por si próprio? No caso de a resposta ser negativa, deixo para a imaginação o que teria acontecido em sequência! Tendo em mente estes casos e partindo dos seus relatos – nos dois sentidos do termo partir, ou seja, me apoiando neles e me distanciando deles, convém atualizar os pressupostos por eles informados, as filosofias, tanto política quanto social, que delas resultam, as mutações políticas e constitucionais que podem elas determinar. Em suma, trata- -se de efetuar uma regressão na memória destes dois casos, no sentido de melhor compreender os seus significados contemporâneos e de descobrir as possíveis trajetórias dos seus destinos. Para tal, faz-se necessário agregar múltiplos saberes, sendo esta a forma de proceder, do meu laboratório, a respeito de um projeto de pesquisa em curso. Aqui, no entanto, apenas o saber constitucionalista será utilizado. O que é uma constituição? No âmbito da inteligibilidade constitucional, os casos acima apresentados só ganham sentido se a constituição é pensada como um instrumento de limitação do poder. Esta representação, porém, pressupõe uma função política específica da constituição – limitar o poder – que não está relacionada com a essência da constituição, mas que foi construída pela história, ao sabor das necessidades estratégicas dos
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