Lenio Luiz Streck 166 ça(ria) aí. A máquina espera, de nós, os humanos, essa espécie de cópia dos fatos. Um retrato. E “três-por-quatro”. “Atrasada” no giro linguístico4 em que, até hoje, o Direito se põe refratário, o admirável mundo novo dos algoritmos parece preso no Tractatus de Wittgenstein. Assim como o filósofo austríaco, esse novo mundo jurídico trabalha, afinal, com uma concepção instrumentalista- -designativa-objetivista da linguagem, deixando-se guiar pelo ideal de uma linguagem perfeita, capaz de reproduzir, com absoluta exatidão, a estrutura ontológica do mundo5 ; a linguagem deve ser uma imagem fiel do real. Não por outra razão, intuo que essas pretensões tecnológicas guardam tamanha precisão com a obra primeva de Wittgenstein que há, até mesmo, as “palavras a se evitar” pelos juristas no reino dos algoritmos. “Sobre aquilo que não se pode dizer, deve-se calar” 6 7 . Eis o neopositivismo lógico hi-tech . Ou o empirismo contemporâneo 4.0, porque não devemos esquecer que o neopositivismo lógico é a mesma coisa que o empirismo contemporâneo, adaptação darwiniana do velho empirismo descritivista. Trata-se da busca de uma linguagem ideal, livre das manifestadas imprecisões e indeterminações de nossa cotidianidade. Tal qual o “primeiro Wittgenstein”, a tecnologia noDireito prega um certo isomorfismo. Como se a filosofia fosse uma espécie de espelho da realidade. Estranho é que, depois de tantos anos e superações que já houve, volta-se, agora, com esse tipo de tese empirista, forma esculpida em carrara de não-cognitivismo moral. para questões do universo jurídico. É focado na empatia e no ser humano, gerando como resultado a entrega de valor”. 4 Ver Streck (2014), sobremodo, o terceiro capítulo: “A não recepção da viragem ontológico- -linguística pelo modelo interpretativo (ainda) dominante em terrae brasilis ”. 5 Isso fica claro nas palavras do próprio autor: “[OTractatus ] trata de problemas filosóficos e mostra, creio eu, que o questionar desses problemas repousa na má compreensão da lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia apanhar todo o sentido do livro com estas palavras: em geral o que pode ser dito, o pode ser claramente, mas o que não se pode falar deve-se calar. Pretende, portanto, estabelecer um limite ao pensar, ou melhor, não ao pensar, mas à expressão do pensamento, porquanto para traçar um limite ao pensar deveríamos poder pensar ambos os lados desse limite (de sorte que deveríamos pensar o que não pode ser pensado). O limite será, pois, traçado unicamente no interior da língua; tudo o que fica além dele será simplesmente absurdo” (WITTGENSTEIN, 1968). 6 Como vai dizer Wittgenstein, no desfecho doTractatus . 7 De fato, há, nessas ferramentas tecnológicas, até mesmo palavras a serem evitadas.
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