Futuro com ou sem agrotóxicos: impactos socioeconômicos globais e as novas tecnologias
Leonardo Cordeiro de Gusmão e Émilien Vilas Boas Reis 58 evitar o “efeito paralisante do medo desarrazoado no qual a tudo se teme, e tam- bém a confiança imprudente – temeridade –, que é aquela que ignora um temor reconhecido e que precisa ser racionalmente evitado” (GUSMÃO, 2018, p. 42). Torna-se pertinente, nesse sentido, uma releitura da ética em Aristóteles para sua aplicação no controle dos riscos a ser realizado pelo Poder Público, em especial quando estes estiverem envoltos num cenário de incerteza, como é o caso da exposição aos resíduos de agrotóxicos, encampando-se a virtude da coragem: Ora, os bravos são tão indômitos quanto pode sê-lo um homem. Por isso, em- bora temam também as coisas que não estão acima das forças humanas, enfren- tam-nas como devem e como prescreve a regra, a bem da honra; pois essa é a finalidade da virtude. Mas é possível temê-las mais ou menos, e também temer coisas que não são terríveis como se o fossem. Dos erros que se podem cometer, um consiste em temer o que não se deve, outro em temer como não se deve, outro quando não se deve, e assim por diante; e da mesma forma quanto às coisas que inspiram confiança. Por conseguinte, o homem que enfrenta e que teme as coisas que deve e pelo devido motivo, da maneira e na ocasião devi- das, e que mostra confiança nas condições correspondentes, é bravo; porque o homem bravo sente e age conforme os méritos do caso e do modo que a regra prescreve (ARISTÓTELES, 1984, p. 91). Essa gestão ética dos riscos que os resíduos de agrotóxicos representam ao meio ambiente, à saúde e à vida humana, devido ao elevado grau de incerteza quanto aos parâmetros de segurança fixados, deve ocorrer a partir da aplicação prudente do Princípio da Precaução, o qual ganhou notoriedade a partir da Con- ferência Rio-92, ao dispor que “a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental” (ONU, 1992). No ordenamento jurídico brasileiro, o Princípio da Precaução está implici- tamente previsto pelos artigos 196 e 225 do texto constitucional, em proteção ao meio ambiente e à saúde e à vida humana, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510, em es- pecial no voto do então Ministro Ayres Britto (BRASIL, 2008, p. 32). O Princípio da Precaução está assentado na ciência, uma vez que sua apli- cação dependerá, sempre, de uma situação de incerteza científica relevante – dúvi- da científica razoável – quanto a determinado risco que precisa ser racionalmente controlado, sendo insuficiente o mero dissenso resultante de algumas opiniões divergentes. Merecem destaque, nesse sentido, algumas ponderações de Saunders: Longe de ser anticientífico, o princípio da precaução baseia-se na ciência em todas as fases. Ele não entra em jogo a menos que exista, pelo menos, evidência científica prima facie de um perigo, requer evidências científicas para determi- nar se as restrições são ou não justificadas e, se forem, dados científicos adicio- nais podem posteriormente levar à sua remoção. Evidência científica também é necessária para avaliar os benefícios que podemos perder: precisamos de ali- mentos transgênicos para alimentar o planeta, as luzes irão se apagar em toda a Europa se decidirmos não optar por energia nuclear, não há realmente ne-
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