Futuro com ou sem agrotóxicos: impactos socioeconômicos globais e as novas tecnologias
Leonardo Cordeiro de Gusmão e Émilien Vilas Boas Reis 54 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), ao impor restrições às propagandas envolvendo tais produtos (BRASIL, 2018). No cam- po infraconstitucional merece destaque a Lei 7.802/1989 e seu respectivo regu- lamento (Decreto 4.074/2002), que trazem enunciados normativos que visam regular o uso, o registro e a comercialização de tais produtos, e, com isso, evitar níveis insustentáveis de poluição por agrotóxicos e a consequente intoxicação de seres humanos (BRASIL, 1989; 2002). Visando controlar o nível de resíduos químicos presentes nos alimentos, foram estabelecidos limites quantitativos para aplicação de agrotóxico em uma cultura específica, denominado Limite Máximo de Resíduos (LMR). Trata-se de medida expressa em miligramas do ingrediente ativo 6 por quilo do alimento (mg/ kg) (ANVISA, 2018). Também foram criados parâmetros de segurança com pretensão de evitar a concretização dos riscos de intoxicação humana devido à exposição aos resíduos de agrotóxicos. Por meio da Dose de Referência Aguda (DRfA), medida em mili- grama de resíduo por quilograma de peso corpóreo (mg/kg p.c.), preocupa-se em evitar quadros de intoxicação aguda (ANVISA, 2018). Quanto ao controle dos riscos de intoxicação crônica, foi criado um índice de Ingestão Diária Aceitável (IDA), que corresponde à “quantidade máxima de agrotóxico que podemos ingerir por dia, durante toda a nossa vida, sem que sofra- mos danos à saúde por esta ingestão” (ANVISA, 2018). É calculado isoladamente para cada ingrediente ativo, sendo expresso em miligramas de resíduos por quilo de peso corpóreo da pessoa que o ingere (mg/kg) (ANVISA, 2018). Entretanto, em razão do estado da técnica, não é possível obter certeza científica quanto à eficácia proporcionada pelos parâmetros de segurança desti- nados à contenção dos riscos associados à contaminação por agrotóxicos. Não se consegue mensurar adequadamente os riscos de intoxicação crônica decor- rentes do efeito bioacumulativo de tais substâncias químicas no meio ambiente e no organismo humano. Tampouco se constata capacidade em prever as con- sequências potencialmente danosas da interação sinérgica entre os resíduos dos diversos tipos de agrotóxicos utilizados para o cultivo de alimentos, aos quais trabalhadores e consumidores são expostos diariamente – efeito cocktail (GUS- MÃO, 2018, p. 78). Portanto, vislumbra-se um cenário de certeza científica quanto ao perigo que os resíduos de agrotóxicos representam ao meio ambiente, à saúde e à vida humana, restando uma incerteza apenas quanto à efetividade dos parâmetros de segurança estipulados com o propósito de evitar quadros de intoxicação aguda e crônica em seres humanos. Percebe-se, com nitidez, aquilo que Ülrich Beck (1944) denominou como Sociedade de Risco, na qual “o acúmulo de poder do ‘progresso’ tecnológico-eco- nômico é cada vez mais ofuscado pela produção de riscos” (BECK, 2011, p. 15; 6 No caso dos agrotóxicos sintéticos, o ingrediente ativo corresponde ao agente químico que confere eficácia ao produto no combate à determinada “praga”. Muitas vezes, ao utilizar o termo “agrotóxico” e destacar sua periculosidade, na realidade se está fazendo menção ao seu ingrediente ativo, sem prejuízo da potencialidade nociva de outros componentes do produto.
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