Futuro com ou sem agrotóxicos: impactos socioeconômicos globais e as novas tecnologias

Agrotóxicos e Covid-19: uma reflexão necessária sobre a política brasileira de flexibilização da legislação... 127 84 são destinados para agricultores e 34 para a indústria”. No Ministério da Agri- cultura encontram-se ainda 216 produtos para serem avaliados, o que, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, segue a lógica “de aprovei- tar para passar a boiada 4 ”. Durante a pandemia, foram muitos os retrocessos: libe- ração recorde de agrotóxicos, flexibilização das normas ambientais, esvaziamento da ANVISA (ABRASCO, 2020). Retrocessos nas políticas de proteção ao meio ambiente no ano de 2020 também são registrados nos direitos dos povos indíge- nas, alteração substancial dos integrantes do CONAMA e do Conselho da Ama- zônia, enfraquecimento de órgãos de controle ambiental com redução orçamen- tária, anistia de multas por desmatamento da Mata Atlântica, mudanças de en- tendimento quanto à ocupação de áreas desmatadas na Mata Atlântica, que passa a permitir a consolidação de supressão clandestina e não autorizada de vegetação nativa, registro de agrotóxicos mediante aprovação tácita, entre outros retrocessos. A Covid-19 ensina exatamente o contrário, pois, quanto mais o ser humano inter- fere nos ecossistemas naturais, mais portas está abrindo para facilitar o surgimento de novas epidemias que podem se transformar em pandemias. Um exemplo emblemático é a Portaria n. 43, de 21 de fevereiro de 2020, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que “estabelece os prazos para aprovação tácita para os atos públi- cos de liberação de responsabilidade da Secretaria de Defesa Agropecuária, con- forme disposto no caput do art. 10 do Decreto n. 10.178, de 18 de dezembro de 2019”. Por esta Portaria, em conformidade com o art. 2º, os prazos para resposta aos requerimentos de atos públicos e de aprovação tácita de registro de agrotóxicos e afins seriam de apenas sessenta dias (BRASIL, 2020a). A aprovação da Portaria ocorreu em um momento crítico global quando a humanidade estava mergulhada em sua mais grave crise sanitária e socioeconômica. A deputada Fernanda Melchionna (2020, p. 1), do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), apresentou no dia 3 de março de 2020 o PDL n. 65/2020 – “Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Exe- cutivo” – para sustar os efeitos da Portaria n. 43, de 21 de fevereiro de 2020, que facilita a aprovação e liberação de registros de agrotóxicos. Na justificativa da PDL n. 65/2020, a deputada chama a atenção de que as “regulamentações massivas de novos agrotóxicos colocam em risco o meio ambiente e a vida de milhões de bra- sileiros e brasileiras”. Registra ainda que só no ano de 2019 foram liberados 503 agrotóxicos em uma escala nunca vista no Brasil. Pela Portaria n. 43/2020, após sessenta dias, registros de agrotóxicos “serão liberados automaticamente, sem ne- nhuma regulamentação ou inspeção”. A licença tácita aprovada em dezembro de 2019, conhecida como a Lei da Liberdade Econômica, estabeleceu as regras para aplicação do que foi batizado pelo governo como “Licenciamento 4.0”, para ace- 4 Na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles falou textualmente que o governo deveria “aproveitar a oportunidade de que toda a imprensa tá falando só de pandemia de Covid-19, do novo coronavírus, para ir passando a boiada”, comple- mentando ainda que deveriam “aproveitar este momento em que estamos contando corpos aos milhares para ir flexibilizando tudo ou destruindo a legislação ambiental”. A divulgação do vídeo chocou o Brasil e o mundo, escancarando a política de retrocesso ambiental do atual governo.

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