Políticas educacionais: contextos e análises contemporâneas

Berenice Corsetti Julian Fontoura Márcia Ecoten (organizadores) POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEXTOS E ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS coleção educação em debate – Volume 1 casa leiria

Este livro reúne textos que foram produzidos por estudiosos do campo das Políticas Educacionais, da História e Gestão da Educação, resultado de investigações realizadas em seu processo formativo no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, ou de pesquisas realizadas após essa formação. O elo comum entre eles foi a orientação realizada pela Professora Berenice Corsetti, ao longo de sua atuação nesse Programa. A obra, que é constituída por dois volumes, reúne vinte e oito textos. O volume 1, conta com quatorze textos, divididos em duas partes. A primeira, Políticas Educacionais e os Processos de Avaliação e Regulação da Educação, nos traz oito textos. A segunda, intitulada Políticas de Educação Superior: diferentes cenários e contextos em análise, conta com seis textos. Os atuais ataques voltados às Ciências Humanas, às universidades, à educação e ao pensamento crítico integram o avanço do neoconservadorismo no Brasil, constituindo-se numa ameaça aos direitos sociais, à soberania nacional, à preservação do meio ambiente, ao desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, à educação pública, comprometendo, com outras tantas iniciativas que estão em curso, o reconhecimento internacional de nosso país. Nesse cenário, reforçarmos que o debate e a reflexão sobre a importância de Políticas Educacionais consequentes e do resgate da História da Educação Brasileira são fundamentais, e é o compromisso que lastreou a concepção e a elaboração desta obra.

POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEXTOS E ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS coleção educação em debate – Volume 1

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS Reitor Prof. Dr. Marcelo Fernandes de Aquino Vice-Reitor Prof. Dr. Pedro Gilberto Gomes Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais Prof. Dr. Alsones Balestrin Pró-Reitor de Administração Prof. Dr. Luiz Felipe Jostmeier Vallandro Chefe de Gabinete Prof. Ms. Carlos Alberto de Oliveira Cruz Diretor da Unidade Acadêmica de Graduação Prof. Dr. Sérgio Eduardo Mariucci Diretora da Unidade Acadêmica de Pesquisa e Pós-Graduação Profa. Dra. Dorotea Frank Kersch Diretor da Unidade Acadêmica de Educação Online Prof. Ms. Vinícius Costa de Souza Diretor da Unidade de Operações e Serviços Prof. Dr. Cristiano Richter Diretora de Finanças e Gestão de Pessoas Esp. Silvana Cristina da Silva Model

Berenice Corsetti Julian Fontoura Márcia Ecoten (organizadores) POLÍTICAS EDUCACIONAIS CONTEXTOS E ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS coleção educação em debate – Volume 1 Casa leiria São Leopoldo/RS 2019

Coleção Educação em debate – Volume 1 Políticas educacionais: contextos e análises contemporâneas Organizadores: Berenice Corsetti, Julian Fontoura e Márcia Ecoten. Revisão: Márcia Ecoten, Julian Fontoura, Carolaine Kirch e Joja da Silva Vaicëulionis. Edição: Casa Leiria. Arte da capa: Henrique de Souza e Joja da Silva Vaicëulionis. Os textos são de responsabilidade de seus autores. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Catalogação na publicação Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973

Só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública. Não a escola sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente preparados e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados. E sim a escola pública rica e eficiente, destinada a preparar o brasileiro para vencer e servir com eficiência dentro do país. (ANÍSIO TEIXEIRA, 1936)

9 APRESENTAÇÃO A obra que estamos apresentando reúne textos que foram produzidos por estudiosos do campo das Políticas Educacionais e da História e Gestão da Educação, que são o resultado de investigações realizadas em seu processo formativo, no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, ou de pesquisas realizadas após essa formação. O elo comum entre eles foi a orientação realizada pela Professora Berenice Corsetti, ao longo de sua atuação nesse Programa. Nesta obra, que é constituída por dois volumes, estão reunidos vinte e oito textos, cuja publicação foi viabilizada a partir de apoios e dos envolvimentos de várias instituições, além dos pesquisadores que realizaram as investigações que deram origem a esta obra. A todos, nosso respeito e agradecimento. Agradecemos à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior), bem como ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pelo financiamento oportunizado, através das bolsas de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado, que ajudaram no processo formativo de muitos dos autores dos capítulos dessa obra, tendo contribuído, também, com o financiamento de pesquisas e publicações. Registramos nosso reconhecimento a essas agências de fomento federal, afirmando sua relevância na garantia da formação e qualificação de quadros para a ciência e educação brasileiras. Registramos, também, nosso reconhecimento ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos que, apesar de todas as dificuldades que o cenário das políticas educacionais vem apresentando, tem procurado manter seu compromisso histórico e ético-político com a formação de acadêmicos que hoje atuam na Educação Básica, Profissional e Superior e colaboram em inúmeras instâncias da educação e da ciência em nosso país. De forma muito especial agradecemos aos autores dos textos que integram a obra. A sua pronta adesão à proposta que apresentamos e a qualidade de suas produções foram fundamentais para que pudés-

10 Apresentação semos concretizar um projeto que foi acalentando a um bom tempo. A todas e todos nosso profundo reconhecimento. Esse trabalho foi elaborado e desenvolvido commuita dedicação com a participação dos integrantes da disciplina de Prática de Pesquisa, coordenada pela Professora Berenice Corsetti, envolvendo bolsistas de Iniciação Científica, Apoio Técnico, Mestrado e Doutorado, Carolaine Kirch, Joja da Silva Vaicëulionis, Márcia Cristina Furtado Ecoten, Henrique de Souza e Juliana Milcharek e Julian Silveira Diogo de Ávila Fontoura, aos quais deixamos nossa gratidão. Esperamos que a obra possa contribuir com as reflexões que se fazem necessárias em relação à educação e à ciência em nosso país. Recentemente, alguns acontecimentos sinalizaram que estamos diante de um inequívoco recrudescimento do conservadorismo, tanto em termos nacionais quanto internacionais. Também no Brasil e em diversos países da América Latina verificamos esse fenômeno, tanto no que tange à formulação de políticas, como no plano das relações sociais e culturais. Entre nós, diversos projetos e/ou iniciativas revelam que vivemos momentos expressivos dessa recente onda conservadora. Os ataques que vem sendo desenvolvidos às Ciências Humanas, às universidades, à educação e ao pensamento crítico integram o avanço do neoconservadorismo no Brasil, constituindo-se numa ameaça aos direitos sociais, à soberania nacional, à preservação do meio ambiente, ao desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro, à educação pública, comprometendo, com outras tantas iniciativas que estão em curso, o reconhecimento internacional de nosso país. Nesse cenário, reforçarmos que o debate e a reflexão sobre a importância de Políticas Educacionais consequentes e do resgate da História da Educação Brasileira é o compromisso que lastreou a concepção e a elaboração dessa obra, cujos capítulos estão apresentados a seguir. O presente volume foi organizado em duas partes, que apresentam quatorze textos. A primeira parte, intitulada POLÍTICAS EDUCACIONAIS E OS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO E REGULAÇÃO DA EDUCAÇÃO se constitui de oito textos. O primeiro deles aborda a Avaliação em Larga Escala na Rede de Colégios Maristas/ RS. Considerando o contexto das políticas educacionais no Brasil e seu percurso profissional e acadêmico, a autora pesquisa a avaliação em larga escala das redes de ensino, com foco em uma instituição de ensino “privada católica confessional”, com valores humanistas.

11 Apresentação O texto Avaliação em Larga Escala da Qualidade da Educação Básica Brasileira (1980-2015), traz uma análise de algumas das novas perspectivas sobre a avaliação em larga escala da qualidade da educação básica brasileira, a partir de textos e trabalhos desenvolvidos nos últimos anos sobre o tema. O autor traz considerações importantes sobre a relação das avaliações com organismos internacionais, além de debater a questão da qualidade x quantidade. O Ensino Médio Politécnico é tema de dois textos dessa parte. Um deles é Avaliação Emancipatória no Ensino Médio Politécnico, onde o autor objetiva analisar a implementação da Avaliação Emancipatória (AE) no Ensino Médio Politécnico (EMP), tentando compreender os seus limites e possibilidades nessa reestruturação curricular. O outro texto, Avaliação Emancipatória: as ressignificações dadas na política do Ensino Médio Politécnico, traz considerações sobre a ressignificação que foi dada a política do Ensino Médio Politécnico ao tratar de avaliação emancipatória, em escolas do município de Farroupilha/RS. A influência dos organismos internacionais nas questões educacionais brasileiras é tratada no texto Banco Mundial: análise da trajetória de influências nas políticas educacionais. Nele, a autora trata da instituição Banco Mundial (BM): origem, objetivos, história e desenvolvimento de sua trajetória de influências nas políticas educacionais, até a construção do princípio do conhecimento. A avaliação em larga escala também é tema de mais dois textos da primeira parte do livro. Em Cotidiano de um Programa de Pós-Graduação em Educação: análise das políticas de avaliação em larga escala no Brasil, o cenário apresentado são programas de pós-graduação. A partir do texto, a autora procura compreender as implicações do processo de avaliação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) no cotidiano de um programa de pós- -graduação da área de Educação. Já em Políticas de Educação Superior e Avaliação no Brasil Contemporâneo: a questão do ENADE em xeque! entra em cena a avaliação do Ensino Superior. As autoras apresentam considerações sobre a avaliação, dando ênfase ao ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) que tem se configurado como um importante espaço de avaliação em larga escala dos cursos superiores do Brasil, utilizado como um dos instrumentos para aferir conceitos para a Educação Superior Brasileira, sendo um dos três componentes de uma política mais ampla de avaliação.

12 Apresentação O texto que encerra a primeira parte deste volume é Políticas e suas Interfaces na Esfera Pública: decisão, construção e regulação. A autora inicia a discussão com uma pergunta interessante: Mas o que são políticas públicas? Após, parte para a contextualização a respeito do processo de desenvolvimento, implementação e execução de políticas públicas, suas principais concepções e objetivos. A segunda parte deste volume, intitulada, POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIFERENTES CENÁRIOS E CONTEXTOS EM ANÁLISE conta com seis textos. No primeiro deles, A Trajetória de Instituições de Educação Superior, dos Docentes, dos Cursos e das Matrículas de Graduação Presenciais e a Distância nos Anos de 2010 e 2017: um olhar a partir das Políticas Públicas para o Ensino Superior no Brasil, o autor retoma a pesquisa que trata do estudo das alterações no sistema de Ensino Superior a partir da influência dos organismos internacionais, com a intensão verificar as mudanças ocorridas nas modalidades de ensino presencial e a distância, no Brasil nos anos de 2010 e 2017. O Movimento Escola Sem Partido (MESP) é o tema do texto intitulado: Do Papel da Universidade aos Fundamentos do MESP: uma análise da colaboração acadêmica. Nele, a autora procura evidenciar os fundamentos acadêmicos em que se pauta a proposta do MESP, tema polêmico que ganhou espaço no cenário nacional nos últimos anos, a partir da discussão a respeito do papel da universidade, quem são e o que falam os universitários e, também, da ética educacional. O terceiro texto, Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: possibilidades no arranjo do contexto emergente da Educação, centra-se sob novos olhares da Educação Superior no Brasil a partir de um modelo de espaço universitário distinto da universidade. O autor apresenta as transformações que tal setor passou, especialmente a partir do final do século XX, com as influências de políticas neoliberais, a interferência dos organismos internacionais/multilaterais e o novo perfil do alunado presente nas instituições e ensino, demonstrando que, com isso, há a constituição de um novo arranjo do sistema educativo. O texto Tensões e Enfrentamento da RSU Frente à Produção do Conhecimento: desafios e prática, busca refletir sobre a Responsabilidade Social Universitária (RSU), ideia que se naturalizou nos tempos atuais, no cenário brasileiro, bem como o papel desempenhado

13 Apresentação pela universidade, enquanto produtora de conhecimento, imersa em um contexto hegemônico. O quinto texto, intitulado Uma Análise da Internacionalização da Educação Superior “Necessária” Através do Estudo de Caso de duas Universidades Latino-Americanas, apresenta uma síntese de pesquisa anterior, que teve como objetivo analisar os limites e potencialidades para o desenvolvimento de uma internacionalização da educação superior necessária, através do estudo de caso da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), localizada no Brasil, e a Escuela Latinoamericana de Medicina (ELAM), localizada em Cuba. A autora apresenta uma análise de três dimensões fundamentais que constituíram a pesquisa: dimensão teórica, dimensão metodológica e dimensão empírica. O Programa Universidade para Todos (PROUNI), é tema do texto que encerra este volume. Em A Qualidade da Educação e o Programa Universidade para Todos: o que diz a produção acadêmica recente (2010-2018)?, os autores destacam que a lei n° 11.096/05 trouxe profundas transformações na Educação Superior brasileira, pois introduziu no debate as novas formas de ser e estar no espaço universitário a partir do PROUNI, que concede bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de Ensino Superior privadas, tendo como contrapartida, a isenção de tributos para aquelas que aderiram ao programa. Uma questão que emerge neste cenário é a forma com que a qualidade é incorporada junto ao Programa, e ainda como as comunidades de pesquisa percebem esse binômio qualidade-PROUNI em suas investigações. Os Organizadores Setembro de 2019

14 SUMÁRIO 17 Prefácio Flávia Obino Corrêa Werle PARTE I: POLÍTICAS EDUCACIONAIS E OS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO E REGULAÇÃO DA EDUCAÇÃO 23 Avaliação em larga escala na Rede de Colégios Maristas RS Simone Martins da Silva 47 Avaliação em larga escala da qualidade da Educação Básica Brasileira (1980-2015) Edson Leandro Hunoff Tavares 63 Avaliação emancipatória no Ensino Médio Politécnico Jonas Tarcísio Reis 91 Avaliação emancipatória: as ressignificações dadas na política do Ensino Médio Politécnico Suelen Marchetto 113 Banco Mundial: análise da trajetória de influências nas políticas educacionais Quênia Renee Strasburg 135 Cotidiano de um Programa de Pós-Graduação em Educação: análise das políticas de avaliação em larga escala no Brasil Cristiane Backes Welter 157 Políticas de educação superior e avaliação no brasil contemporâneo: a questão do ENADE em xeque! Silvia Regina Canan Vanessa Taís Eloy 183 Políticas e suas interfaces na esfera pública: decisão, construção e regulação Graziela Rossetto Giron Mônica de Souza Chissini

15 PARTE II: POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR: DIFERENTES CENÁRIOS E CONTEXTOS EM ANÁLISE 201 A trajetória de instituições de educação superior, dos docentes, dos cursos e das matrículas de graduação presenciais e a distância nos anos de 2010 e 2017: um olhar a partir das políticas públicas para o ensino superior no Brasil Moisés Waismann 219 Do papel da universidade aos fundamentos do MESP: uma análise da colaboração acadêmica Verônica Ventorini Ferreira 241 Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: possibilidades no arranjo do contexto emergente da educação superior Julian Silveira Diogo de Ávila Fontoura 261 Tensões e enfrentamento da RSU frente à produção do conhecimento: desafios e prática Adilson José de Almeida Rute Rosângela Dalmina 275 Uma análise da internacionalização da educação superior “necessária” através do estudo de caso de duas universidades latino-americanas María Julieta Abba 291 A qualidade da educação e o Programa Universidade Para Todos: o que diz a produção acadêmica recente (2010-2018)? Julian Silveira Diogo de Ávila Fontoura Juliana Milcharek

17 PREFÁCIO Num cenário de globalização, de competitividade, de busca por resultados, de individualismo, de mensurações e padronização, de relações sociais perpassadas por disputas, conflitos e tensões, o estudo de políticas educacionais exige uma perspectiva crítica atenta às dinâmicas de diferentes contextos, em seus tempos e espaços. EDUCAÇÃO EM DEBATE é uma significativa coletânea, lançada com dois volumes, volume 1, POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONTEXTOS E ANALISES CONTEMPORÂNEAS e volume 2, HISTÓRIA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONTEXTOS E ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS, que se constitui como resultado de um significativo trabalho coletivo e, especialmente, da liderança de uma pesquisadora de destaque no cenário acadêmico nacional, a Dra. Berenice Corsetti. Participar de um Programa de Pós-Graduação em Educação envolve inúmeras tarefas e compromissos. Para a professora Berenice não foi diferente – colaborativa quando a Universidade solicita seus préstimos, incentivadora e articuladora de seus pares frente aos desafios do cotidiano, demonstra entusiasmo e renovadas energias na pesquisa e na socialização do conhecimento. Com este perfil ela contagiou seus ex-orientandos com quem mantém contato e acompanha seus sucessos e avanços de suas carreiras e núcleos profissionais. Assim se configura a vida da professora e pesquisadora Berenice Corsetti no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos: ministrar seminários, desenvolver práticas de pesquisa juntamente com orientandos de mestrado, doutorado, pós- -doutorado, bolsistas de iniciação cientifica e ex-orientandos, construir conhecimentos de forma a contribuir para a consolidação da linha de pesquisa Educação, História e Políticas, a qual coordena, assim como colaborar na construção de pesquisadores e produtores de conhecimento, como o esforço que se expressa nessa Coleção. Claro está que faz parte de seu cotidiano também ações de orientação a estudantes no processo de pesquisa, desde a elaboração do projeto, seu desenvolvimento e socialização dos resultados, enfim, inúmeras tarefas compõem e consolidam a contribuição da referida professora ao mundo acadêmico, a

18 Prefácio partir do PPG Educação da Unisinos. Sempre atenta, com rigor, perspicácia e afeto, orientou estudantes que a ela acorriam cuidando, com esmero, dos processos e fases das pesquisas, incluindo a delimitação dos objetos de estudo e do campo empírico, assim como da fundamentação teórico-metodológica de suas pesquisas. Berenice Corsetti, como pesquisadora, dedica-se, de forma mais intensa, embora não exclusiva, a discutir em suas pesquisas o contexto internacional, avaliações em larga escala, indicadores de qualidade da educação básica e história da educação, acentuando, predominantemente, a abordagem dialética. Foi nessa esteira que seus orientandos elaboraram suas pesquisas, desenvolveram seus processos formativos e redigiram os capítulos desta Coleção. Os capítulos dos dois volumes que aqui apresento bem demonstram traços dessa consistente formação e a exigência acadêmica que pauta a orientação acadêmica e a produção cientifica da professora. A ação acadêmica da Dra. Berenice Corsetti sempre se pautou pelo respeito, valorização das individualidades dos orientandos e colegas e agenciamento no coletivo, o que mais uma vez se materializa, agora nessa Coleção, organizada por ela e dois de seus orientandos. Valorizando o trabalho coletivo e prestigiando aqueles que foram seus alunos, a pesquisadora toma a iniciativa e provê condições para publicar produções de seus ex-orientandos os quais, em dependência de sua situação profissional atual, ou retomam e sintetizam socializando suas pesquisas de pós-graduação, ou apresentam recortes de suas teses ou dissertações, ou, ainda, participam com pesquisas atuais. Na esteira dos ensinamentos de sua orientadora, alguns de seus ex-orientandos assinam capítulos desta Coleção acompanhados daqueles que agora estão sob sua supervisão e orientação. A maior parte de seus orientandos de pós-graduação – auxiliares de pesquisa em formação, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos – acolheram o seu chamado para colaborar em uma publicação na qual diferentes temas de políticas educacionais são abordados: educação básica, ensino médio, ensino superior, qualidade da educação, avaliações em escolas públicas e redes privadas, políticas de avaliação do ensino superior, modalidades de cursos e diferentes tipos de estabelecimentos de ensino superior, planos municipais de educação, descentralização, parcerias público-privadas, educação popular, pesquisas relacionadas à história da educação, impressos pedagógicos, identidade e formação docente, dentre outros.

19 Flávia Obino Corrêa Werle A diversidade de temas são uma amostra da versatilidade da professora/pesquisadora e o quanto soube inspirar seus orientandos para refletir acerca de políticas educacionais. Nesta coleção EDUCAÇÃO EM DEBATE, em seu volume 1, POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONTEXTOS E ANALISES CONTEMPORÂNEAS e em seu volume 2, HISTÓRIA E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: CONTEXTOS E ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS, o leitor encontrará diferentes temas e será provocado a se interrogar acerca de políticas educacionais contemporâneas e elementos da história da educação. Desejo a todos boa leitura. Desejo aos autores dos dois volumes agora lançados, intensa, colaborativa e desafiadora vida acadêmica, que desenvolvam cada vez mais a capacidade de, como mestres e doutores em Educação, criar produtos e desenvolver práticas relevantes para a educação brasileira e latino-americana, bem como para o avanço do conhecimento em políticas educacionais, gestão e história da educação. A elaboração desse prefácio é uma oportunidade de agradecer a todos que assinam esses dois volumes e, especialmente, a seus organizadores, a confiança pela oportunidade de assim participar de seu trabalho. Flávia Obino Corrêa Werle Professora do PPG Educação da Unisinos CV: http://lattes.cnpq.br/8006653453139072 ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5795-2537

PARTE I: POLÍTICAS EDUCACIONAIS E OS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO E REGULAÇÃO DA EDUCAÇÃO

23 AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NA REDE DE COLÉGIOS MARISTAS RS Simone Martins da Silva1 Escrevo esse percurso considerando as vivências que vêm mobilizando os 18 anos de atuação dessa pesquisadora junto aos Colégios da Rede Maristas: o sentimento de identificação com sua Missão além do compromisso em colaborar com a Instituição também através da Pesquisa. No decorrer desses anos, acompanhei os movimentos da Educação Básica Marista, no Rio Grande do Sul. As políticas de gestão educacional, a proposta pedagógica com vistas a excelência humana e acadêmica, a escrita e implementação de documentos norteadores, como o Projeto Educativo Marista (PEM) e as Matrizes Curriculares do Brasil Marista, o Planejamento Estratégico (PE) da Província Marista do Rio Grande do Sul e dos Colégios da Rede Marista, a Identidade Institucional Marista frente à contemporaneidade, as mudanças na estrutura física dos ambientes escolares, a atualização na área de Tecnologia Educacional e da Informação, o projeto de formação de lideranças e a chegada da avaliação em larga escala na Instituição foram processos mobilizadores da proposta pedagógica da Instituição, nos últimos anos. Dentre estes, os processos que mais capturaram a atenção sempre foram os de ensino e aprendizagem. Considerando o contexto das políticas educacionais no Brasil e os percursos profissional e acadêmico, percebeu-se a oportunidade de pesquisar um dos meios utilizados atualmente para avaliar e acompanhar os processos de ensino e aprendizagem em nível nacional e local (redes de ensino): a avaliação em larga escala. 1 Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale dos Sinos. Especialista em Gestão Curricular pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS, 2017), Mestre em Educação pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS, 2015), Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/UFRGS, 2009). Pedagoga, licenciada pela Universidade Luterana do Brasil/Canoas (ULBRA 2005).

24 Avaliação em larga escala na Rede de Colégios Maristas RS DO OBJETO DE PESQUISA Ao lançar o descritor “avaliação em larga escala” em diferentes campos de pesquisa, como o Banco de Teses da Capes2, encontrou-se 62 produções relacionadas ao descritor no período de 1990 a 2012. O período inicial se justifica tendo em vista que as políticas públicas de avaliação instituídas no Brasil, aconteceram especialmente a partir da década de 1990. Ao realizar a leitura dos 62 resumos, com o propósito de uma análise aproximada com o objeto de pesquisa, identificou-se que 32 pesquisas apresentavam pontos em comum. Dentre estas e outras consultas, destacaram-se algumas que justificam a ampliação de investigação no assunto que propomos. Destacou-se a pesquisa de Paier (2009), que procura mapear os desafios da escola confessional católica privada, as possibilidades e os limites no contexto contemporâneo marcado pela lógica do mercado e da globalização, o que confronta diretamente com os princípios humanistas da instituição privada confessional. No estudo de Campeão (2006), pode-se perceber que nas últimas décadas a escola confessional está passando por transformações. A alternativa para manter a Instituição de portas abertas foi adequar-se às condições históricas do mundo globalizado, tornando-se escola comunitária e procurando oferecer serviços que a diferenciasse das demais instituições, como aderir ao Programa de Voluntariado, implantar cursos que atendessem à lógica do mercado de trabalho, adotar o Sistema de Material de Ensino e participar de prêmios de Qualidade Total. Ressaltou-se, também, a de Silveira (2012), como contribuição para o estudo da avaliação em larga escala, pois, na década de 1990, esses exames ganharam projeção no Brasil como instrumentos governamentais para aferição da qualidade do ensino. Nesse período foi implementado o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), com a função de diagnosticar a rede e servir como instrumento de avaliação do egresso do Ensino Médio. Também se referencia o estudo recente de Danieli e Schneider (2014) sobre as inter-relações entre o ENEM, concepções de qualidade de docentes e diretores educacionais e ações desenvolvidas em colégios 2 Consulta realizada no Banco de Teses da CAPES no período de 30/05/ a 02/06/2013 para elaboração do texto “Estado da Arte”, requisito parcial para conclusão da disciplina Pesquisa em Educação I, do curso de Mestrado em Educação, da UNISINOS. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>.

25 Simone Martins da Silva do Grupo Marista (Província Marista Brasil Centro Sul) em relação às avaliações em larga escala. Tal análise se torna relevante porque são diferentes Províncias do Brasil Marista a reconhecer, através da pesquisa na “própria casa”, a complexidade da problemática que envolve as interfaces das avaliações em larga escala, especialmente considerando tratar-se de um estudo que recai sobre um conjunto de escolas da rede privada, que carrega a identidade confessional católica, na proposta educativa. Avançar, em temos de análise sobre o descritor “avaliação em larga escala” no espaço-tempo da instituição de ensino “privada católica confessional” com valores humanistas, é de extrema relevância, tendo em vista os aspectos contraditórios que podem se formar neste cenário educativo e pelo instrumento estar sendo utilizado atualmente como política educacional pública. Problematizar a perspectiva em que os resultados dessas avaliações estão sendo utilizados na referida rede de ensino pode vir a contribuir na reflexão sobre o conceito “qualidade da educação” dessa e de outras redes de ensino que têm papel importante no cenário educacional. O campo empírico dessa pesquisa delimitou-se nos dezoito Colégios da Rede Marista. O estudo fundamentou-se na metodologia de Pesquisa Qualitativa. Considerando tanto o objeto de pesquisa quanto os alicerces teóricos que foram utilizados, optou-se por usar duas fontes de material empírico: análise documental e entrevista estruturada. A opção por analisar dados e resultados das avaliações em larga escala no nível de Ensino Médio justificou-se porque os estudantes do 3º ano do Ensino Médio são os únicos, até o momento, a participarem das duas avaliações em larga escala a que esse estudo se propõe problematizar: ENEM (3º ano EM) e Sistema Marista de Avaliação (SIMA) - 5º ano, 8ª série/9º ano e 3º ano EM, o que pode tornar possível estabelecer algumas relações em condições mais aproximadas. O estudo contemplou ainda pesquisa bibliográfica, tendo por objetivo alcançar maior compreensão acerca do Instituto Marista e das políticas públicas de avaliação instituídas no Brasil, especialmente a partir da década de 1990. Considerando o vasto número de estudos sobre o assunto, a pesquisa bibliográfica embasou-se em material já elaborado, constituído principalmente de livros, artigos científicos, publicados em periódicos e revistas, dissertações e teses sobre a temática do assunto de investigação.

26 Avaliação em larga escala na Rede de Colégios Maristas RS DA FUNDAÇÃO DO INSTITUTO MARISTA Em 20 de maio de 1789, nascia, no vilarejo de Rosey, Município de Marlhes, na França, Marcellin Joseph Benoît Champagnat, ou Marcelino Champagnat. Durante o período de vida de Marcelino Champagnat (17891840), a Europa foi cenário de uma grande agitação cultural, política e econômica, um tempo de profunda crise na sociedade e na Igreja. Foi esse o contexto em que nasceu, cresceu e foi educado. (MISSÃO EDUCATIVA MARISTA, 1999, p. 21). Marlhes, o povoado onde Marcelino nasceu, era um lugar em que reinava o atraso e a ignorância, de pobreza cultural dramática. A maioria dos jovens era praticamente analfabeta. Durante sua infância, contudo, havia um movimento de mudança. Os ideais de progresso social e de solidariedade oriundos da Revolução Francesa tomavam conta do País, causando impacto mesmo nos locais isolados e distantes. A personalidade de Marcelino Champagnat recebeu a influência principalmente de três pessoas da família: seu pai, um homem empreendedor, inteligente e trabalhador, que contribuiu para sua formação como cidadão, sua mãe e sua tia, Louise Champagnat, Irmã religiosa da Congregação de São José. A formação intelectual de Marcelino Champagnat mostrou-se muito árdua, pela ausência de mestres competentes na época. Marcelino, então, se interessa pela vida religiosa e, a partir de 1805, passa a frequentar o Seminário Menor de Verrières e, posteriormente, ingressa no Seminário Maior de Lyon. Foram anos de grande superação acadêmica para o fundador, que precisou compensar as defasagens de aprendizagens em tempo menor que os demais colegas de seminário, pois não havia frequentado a escola no período regular. Marcelino Champagnat foi ordenado padre e, logo em seguida, nomeado para ser vigário em La Valla, Distrito de Saint Chamond, sul da França. Sendo sacerdote, foi chamado à cabeceira da cama de um jovem chamado Jean Baptiste Montagne, que, na idade de 17 anos, morria sem jamais ter ouvido falar em Deus. Decidido a evangelizar através da educação, fundou, juntamente com dois amigos, a Congregação dos Irmãos de Maria, no dia 2 de janeiro de 1817. Logo, outros se uniram ao grupo. O vilarejo de La Valla tornou-se, assim, o berço dos Irmãos Maristas. Ensinou-lhes a leitura, a escrita, a aritmética, a oração e a vivência do Evangelho no cotidiano, tornando-os mestres

27 Simone Martins da Silva e religiosos educadores. Em pouco tempo, Champagnat os enviou aos lugarejos mais afastados da paróquia para que se dedicassem a ensinar crianças e adultos. Em 1825 fundou a casa de Formação Nossa Senhora de L’Hermitage, na França, que passou a ser um espaço para aprimoramento da Pedagogia, dos Princípios e das Práticas Maristas. Em 1836, a Igreja reconheceu a “Sociedade de Maria” e confiou-lhe uma missão na Oceania. Foi o primeiro passo para a “internacionalidade”, para a expansão missionária a outros territórios, conforme escreveu Champagnat a um bispo que lhe solicitava Irmãos: “Todas as dioceses do mundo estão em nossos planos”. (MISSÃO EDUCATIVA MARISTA, 1999, p. 25). Marcelino morreu em 6 de junho de 1840. Foi beatificado em 29 de maio de 1955 e canonizado em 18 de abril de 1999. Hoje, o Instituto conta com mais de 76 mil irmãos e leigos, atendendo cerca de 650 mil crianças, jovens e adultos em unidades espalhadas por mais de 80 países. (UMBRASIL, 2014). Figura 1 - Marca Marista Fonte: Maristas (2008, p. 11). DA PRESENÇA MARISTA NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO SUL No Brasil, os primeiros Irmãos Maristas chegaram em 15 de outubro de 1897. Eles desembarcaram no Porto do Rio de Janeiro (RJ) e logo foram para Congonhas do Campo, Minas Gerais (MG), local que se tornou o berço da comunidade Marista em terras brasileiras, e onde foi estabelecida a primeira escola Marista.

28 Avaliação em larga escala na Rede de Colégios Maristas RS Os primeiros Irmãos Maristas chegaram Rio Grande do Sul, mais precisamente na localidade de Bom Princípio, em 2 de agosto de 1990. Primeiro, eles fundaram pequenas escolas nas regiões de colonização alemã e italiana ou, ainda, atuavam em escolas católicas já fundadas por outras congregações religiosas. Há mais de 100 anos, os Colégios da Rede Marista, alguns deles verdadeiros ícones na educação gaúcha, vêm construindo sua trajetória, o que faz a Rede Marista ser uma das Redes referência de ensino no Rio Grande do Sul. Atualmente, há presença Marista em 23 estados e no Distrito Federal. São quatro unidades administrativas: três Províncias (Brasil Centro-Norte, Rio Grande do Sul, e Brasil Centro-Sul, agora comunicada como Grupo Marista) e um distrito (Amazônia). O Instituto Marista no Brasil posiciona-se na vanguarda da defesa e da promoção dos direitos das infâncias e juventudes. Ao todo, a Província Marista do Rio Grande do Sul tem vinte e seis unidades (entre colégios e unidades sociais) localizadas em dezoito municípios do estado do Rio Grande do Sul e no Distrito Federal, oferecendo apoio também ao Distrito Marista da Amazônia, na realização de projetos sociais. Assim estão nomeados os Colégios e Unidades Sociais3: Marista Aparecida*; Marista Assunção*; Marista Champagnat*; Marista Conceição*; Marista Graças*; Marista Imaculada*; Marista Ipanema*; Marista Irmão Jaime Biazus**; Marista João Paulo II*; Marista Medianeira*; Marista Pio XII*; Marista Roque*; Marista Rosário*; Marista Santa Maria*; Marista Santana*; Marista Santa Marta**; Marista Santo Ângelo*; Marista São Francisco*; Marista São Luís*; Marista São Marcelino Champagnat**; Marista São Pedro*; Marista Vettorello**; Escola Marista de E. I. Aparecida das Águas***; Escola Marista de E. I. Menino Jesus***; Escola Marista de E. I. Renascer*** e Escola Marista de E. I. Tia Jussara***. DA REGULAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PELO BANCO MUNDIAL Nos últimos anos, com o impacto das orientações dos organismos internacionais na política educacional brasileira, sobretudo a partir da década de 1990 (CORSETTI, 2008), surgiu outra forma de 3 * Colégios - Unidades Privadas – Campo empírico desta investigação; ** Colégios Sociais - Unidades Sociais; *** Escolas de Educação Infantil - Unidades Sociais.

29 Simone Martins da Silva preocupação no cenário educacional. As novas inquietações não estão vinculadas apenas a ideologias pedagógicas, mas também a políticas internacionais advindas do projeto de globalização: através de mecanismos legais, avaliando a educação desde o nível básico até o superior, tais mecanismos integram políticas e práticas de avaliação em larga escala, cujas repercussões tendem a colocar toda a ênfase nos resultados, em detrimento da reflexão participativa e colaborativa dos processos de ensino e aprendizagem. Barreiros (2001) também apresenta que o discurso da qualidade presente em toda a proposta curricular e também nos sistemas de avaliação está nitidamente baseado no produto, no resultado educacional, haja vista a ênfase dada aos processos de medição, padrões e indicadores nestas propostas e sistemas avaliativos. Compreender a trajetória da avaliação em larga escala é imprescindível para a análise da relação existente entre a educação e os contextos político, econômico e social. Dependendo da perspectiva em que se compreende e se aplica o conceito “avaliação”, o mesmo pode estar contribuindo para fortalecer uma lógica hegemônica de sociedade, atendendo, assim, a interesses de um mercado neoliberal, ou para refletir os indicadores como ponto de partida/referência, visando melhorias no processo de ensino e aprendizagem e na gestão das instituições, conforme menciona Belloni (2009). Conforme Silva (2002), o final da Conferência de Bretton Woods, realizada nos Estados Unidos, no Estado de New Hampshire, em 1944, marcou uma mudança no eixo político-econômico mundial e a afirmação da hegemonia do centro financeiro de Wall Street, com a criação do Banco Mundial (BM). O BM foi uma instituição financeira criada para manejar operações de créditos, financiamentos e investimentos, envolvendo dinheiro público e privado. São cinco instituições vinculadas entre si: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento ‒ BIRD (1944); Agência Internacional de Desenvolvimento ‒ AID (1960); Corporação Financeira Internacional ‒ CFI (1956); Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais ‒ Miga (1960); Centro Internacional para a Resolução de Disputas sobre Investimentos ‒ ICSID (1962). Com a função de reavaliar, supervisionar e monitorar as operações de crédito; fiscalizar o cumprimento dos critérios e as condições para a obtenção de crédito; definir e monitorar os modelos de gestão e organização de projetos para obtenção de financiamento; avaliar a capacidade creditícia do solicitante para honrar compromissos; acom-

30 Avaliação em larga escala na Rede de Colégios Maristas RS panhar as fases de tramitação e fiscalizar a implementação; monitorar a execução das condições estabelecidas; cumprir ordens de suspensão de empréstimos; e aplicar punições, o BM consegue manter o poder econômico, político e social sobre a maior parte dos países Os países que definem 50% das decisões sobre as macropolíticas econômicas são: Estados Unidos (20% e direito ao veto); Inglaterra (8%); Alemanha (5,5%); França (7,5%); Japão (7,5%); Canadá, Itália e China (3,1%) e Brasil (1,7%). Com o percentual descrito anteriormente, fica fácil identificar quais países detêm a hegemonia nas decisões. Trata-se de um jogo de respostas marcadas, em que o presidente do BM é sempre um norte-americano e o do Fundo Monetário Internacional (FMI) é sempre um europeu. O poder de voto dos Estados Unidos corresponde a 25% do capital do Banco. Com esse percentual de voto, os Estados Unidos não apenas tinham as credenciais econômicas e militares, mas também a capacidade e a necessidade de imprimir a direção política da nova situação mundial. O BM foi ampliando o âmbito de intervenção na formulação de políticas e estratégias e passou a realizar o processo de cooperação técnica e financeira aos países devedores. No início, a intervenção era pautada no financiamento e na assistência técnica para projetos econômicos e sociais específicos, no fomento ao desenvolvimento internacional dos países-membros e no estímulo ao diálogo econômico entre doadores e beneficiários. Nas décadas seguintes, o BM tornou-se o principal organismo internacional de financiamento, juntamente com o FMI, com poder político para captar e monitorar os recursos externos e decidir quais projetos são viáveis de serem aprovados. A instituição passou a criar e deliberar também políticas para o setor social e com capacidade para introjetar e difundir a concepção de mundo que os homens de negócios querem consolidar e reproduzir. (FRIGOTTO, 1999, p. 137). Ele se tornou também órgão político central dos processos de globalização. Sua estrutura organizacional permitiu que a diretoria executiva atuasse de forma cada vez mais política e ideológica, formando e informando as economias mais estáveis e lucrativas. É importante salientar que a indústria da educação, normalmente entre as maiores empregadoras de qualquer país, é uma das poucas que não sofreu uma revolução tecnológica. Retirá-la do estágio artesanal foi uma das estratégias do Banco Mundial, o que promoveria o acesso e controle a dados que deveriam ser monitorados. Dada à insu-

31 Simone Martins da Silva ficiência de professores qualificados, que tende a agravar-se, foi preciso encontrar os meios de aumentar a produtividade dos bons professores. Isto incluiria investimento em bons livros didáticos, em materiais audiovisuais e, sobretudo, no emprego de técnicas modernas de comunicação, rádio, filmes e televisão no ensino. (MCNAMARA, 1974, p. 11). Como se percebe, o Banco Mundial, desde 1960, tem participado ativamente e de forma sistemática no âmbito educacional com intervenções e políticas educacionais para a América Latina. A atuação do BM tem sido expressiva no campo educacional, mediante formulações de políticas e de estratégias traduzidas em projetos, programas e reformas que os países devem incorporar para ter a aprovação dos empréstimos externos; ou seja, para ter a aprovação do financiamento, é preciso a garantia do cumprimento de metas e regras impostas, tornando necessária a problematização constante da forma e da intenção com que estas políticas e estratégias estão se materializando, como por exemplo, na roupagem da avaliação em larga escala. DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NO BRASIL O primeiro projeto do setor educacional brasileiro que conseguiu ser contemplado com as políticas do BM data do ano de 1946, durante o Governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra. Nesse ano, foi aprovado o primeiro acordo para o setor educacional, dirigido à construção da Escola Técnica de Curitiba, durante a implementação da Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942. (NOGUEIRA, 1998). Essa relação pode ser percebida também nos anos seguintes, como no documento chamado Educação Primária, em que o BM afirma prioridade na Educação Primária, por ser o pilar do crescimento econômico e do desenvolvimento social, além de principal meio para promover o bem-estar das pessoas, em detrimento da Educação Infantil, do Ensino Médio, da Educação de Jovens e Adultos, da Educação Indígena e do Ensino Superior; funcionando como chave para o desenvolvimento e concebendo-o como investimento necessário e de maior retorno que outros investimentos. Outro exemplo é o controle dos conteúdos distribuídos na Educação Primária, cujo alinhamento são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Nessa lógica, predominam

32 Avaliação em larga escala na Rede de Colégios Maristas RS a falta de qualificação profissional, o esvaziamento dos conteúdos escolares e a desqualificação das instituições educacionais. Endividados, sem poder de competitividade e sem créditos no exterior, os países latino-americanos, incluindo o Brasil, renderam-se ao BM, ao FMI e ao Grupo dos Sete, forças hegemônicas com capacidade para tomar decisões de impacto global, impor políticas macroeconômicas, aprovar ou suspender créditos e projetos para os Estados capitalistas devedores. Essas decisões impactam diretamente os contextos econômico, social e político dos países devedores, pressionando-os, internamente, a criarem políticas públicas nessas áreas, seguindo uma lógica ideológica. Compreender que o BM precisou acompanhar e regular o valor emprestado aos países devedores e que, para tal, precisou criar mecanismos que avaliassem/medissem o potencial de pagamento dessa dívida, é simples. Mais complexo, talvez, em um primeiro momento, seja mapear esses mecanismos inseridos em cada país e identificar como esses mecanismos influenciam as políticas públicas (ou o setor privado) de educação. Entende-se que as formas como os sistemas de avaliação em larga escala da Educação Básica operam hoje, em um contexto no qual os processos de envolvimento das políticas educacionais são evidentes, deve mobilizar a reflexão crítica dos principais elementos desta avaliação e destacar a importância de a discussão ocorrer no âmbito escolar e acadêmico. A avaliação em larga escala pode designar a avaliação de uma instituição, realizada por profissional ou empresa especializada nesse tipo de consultoria, abrangendo todo o escopo ou apenas parte das ações institucionais. É um procedimento amplo e extensivo, envolvendo diferentes modalidades de avaliação, realizado por agências reconhecidas pela especialização técnica em testes e medidas, abrangendo um sistema de ensino, ou seja, todas as escolas de um determinado nível ou série desse sistema, mesmo que utilizando procedimentos amostrais, na maior parte das vezes com foco predominante na aprendizagem dos alunos e com finalidade de obter resultados generalizáveis ao sistema. Portanto, a avaliação em larga escala sempre é uma avaliação externa às instituições escolares avaliadas. O interessante de agregar o termo avaliação externa com a informação de que é “em larga escala” é que indica o tipo de avaliação e sua abrangência. (WERLE, 2010, p. 22).

33 Simone Martins da Silva Contextualizando o conceito para a realidade brasileira, temos então a avaliação em larga escala na Educação Básica, sendo vinculada a projetos de longo prazo, produzindo dados longitudinais e, para tanto, mantendo parâmetros metodológicos em um nível de estabilidade que assegure comparação. No Brasil, os planos de segmentação de avaliações em larga escala destacam-se nas esferas federal, estadual e municipal, na Educação Básica. Destacam-se os processos no âmbito federal representados por seis estratégias: o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB); a Prova Brasil; o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA); o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM)4; a Provinha Brasil; a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). O ENEM, que foi criado em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante no fim da Educação Básica, busca contribuir para a melhoria da qualidade desse nível de ensino. O conteúdo das provas é definido a partir de matrizes de referência nas quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. A partir de 2009, o ENEM passou a ser utilizado também como mecanismo de seleção para o ingresso no Ensino Superior. Foram implementadas mudanças nesse exame com vistas a contribuir para a democratização das oportunidades de acesso às vagas oferecidas por Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), para a mobilidade acadêmica e para induzir à reestruturação dos currículos do Ensino Médio. Respeitando a autonomia das universidades, a utilização dos resultados dessa avaliação para acesso ao Ensino Superior pode ocorrer como fase única de seleção ou combinado com seus processos seletivos próprios. Tal exame também é utilizado para o acesso a programas oferecidos pelo Governo Federal, tais como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Para os governantes das instituições federal, estadual e municipal que promovem tais avaliações, os dados são produzidos para prestação de contas à sociedade, transparência do emprego de recursos públicos em relação ao trabalho realizado pelos sistemas, assim como para orientação de políticas e planos de ação de sistemas escolares. No referencial 4 Os resultados que os estudantes do 3º ano EM, dos Colégios da Rede Marista, (período de 2010 a 2013) serão analisados neste estudo.

34 Avaliação em larga escala na Rede de Colégios Maristas RS de instituições como o Instituto de Avaliação e Desenvolvimento Educacional (INADE), a avaliação em larga escala também tem o propósito do aperfeiçoamento de projetos, de auto avaliação de escolas e sistemas e do diagnóstico de situações escolares. (INADE, 2013, p. 6). DO SISTEMA MARISTA DE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA - SIMA A Rede Marista de Educação foi pioneira na criação e aplicação de um sistema de avaliação em larga escala interna: o SIMA. Foi o primeiro sistema de avaliação em larga escala criado para ser realizado em escolas particulares do Brasil. Nacionalmente, o Sistema Marista de Avaliação (SIMA) existe desde 1999 e teve sua primeira implementação na Província Marista Centro-Norte. A partir de 2007, os estudantes dos Colégios da Província Marista do Rio Grande do Sul também começaram a participar do SIMA. Atualmente, o SIMA está implementado em todo o Brasil Marista e é um dos sistemas de avaliação em larga escala que analisa o ensino e aprendizagem dos estudantes nas quatro áreas do conhecimento. O principal objetivo desse Sistema é avaliar o processo educacional como um todo, através da aplicação de testes e questionários que detalhem o perfil do aluno, da família, do professor, da equipe técnica e direção da escola, cruzando indicadores socioculturais que podem interferir nos processos de ensino e aprendizagem. Por exemplo, a Prova Brasil e o SAEB avaliam somente as disciplinas de Português e Matemática, e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), aplicado em 56 países, abrange apenas os conteúdos de leitura, Matemática e Ciências e não cruza indicadores internos e externos à escola, como o nível sociocultural, para análise dos resultados. No SIMA, os componentes curriculares avaliados no Ensino Fundamental são: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e História e, no Ensino Médio, os mesmos componentes, porém com o desdobramento das Ciências em Física, Química e Biologia. A realização do SIMA em anos consecutivos tem permitido um estudo longitudinal do processo educacional, constituindo uma série histórica de mudanças ocorridas ao longo dos anos no Brasil Marista. Além disso, tem sido uma possibilidade de avaliar, anualmente, o desempenho dos estudantes, o preparo para o desenvolvimento máximo

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